A saúde mental perinatal, termo utilizado para descrever o período que está à volta do nascimento, tornou-se um foco de destaque e de interesse nos últimos anos, com um grande investimento na investigação, prevenção e intervenção. Ao contrário do que se possa imaginar, este período desde a pré-conceção, gravidez e pós parto é um dos com maior probabilidade de desenvolvimento de algum quadro de doença mental em mulheres, para além do período da adolescência e da menopausa. Sabemos hoje que 20 a 30% das mulheres acabam por desenvolver alguma sintomatologia e este é um número demasiado elevado para passar ao lado. Estivemos à conversa com a Psicóloga Leonor Rocha Leite com especialização na área da Gravidez e Pós Parto, Sono do Bebé e Aconselhamento Parental para discutir algumas das mudanças que aqui ocorrem.
A gravidez e o parto por si só são fatores de stress biológico por induzirem alterações hormonais. Há uma modelagem no Sistema Nervoso Central que pode precipitar quadros de vulnerabilidade. Depois do nascimento, ainda se somam as mudanças psicossociais, na aquisição do papel social de mãe que acarreta perdas nos outros papéis que prefixavam a pessoa. Cria-se um estado ambivalente. Para além de todas estas alterações, sabemos que vivemos numa sociedade repleta de expectativas e palpites sobre o que deveria ser a experiência de cada um. Por exemplo, ouve-se que:
1. A gravidez é sempre um estado de graça;
2. O parto é um momento transcendente e de paixão;
3. No período da gravidez e da amamentação não se podem tomar antidepressivos;
4. (… por aí em diante…)
Às vezes, sim. Outras vezes, não. Por exemplo, quanto à intervenção de psicofármacos, existe hoje em dia medicação disponível e compatível com a gravidez e período da amamentação. Na maior parte das vezes, a toma do medicamento pode ter um impacto menor para o bebé do que o sintoma e a doença não tratada. Uma mãe menos responsiva, menos disponível para estimular e potenciar o desenvolvimento contribui sim para uma carência e indisponibilidade da principal figura de vinculação. E qual é o valor do instinto materno? Ao contrário do que se pensa, não é inato e não surge quando o bebé nasce. Vai surgindo e desenvolvendo-se no conhecimento do bebé. É uma aprendizagem, uma vez que sempre que faz alguma coisa, há sempre uma resposta.
Outra experiência que 80% das mães passa é o conhecido período Baby Blues que do 3º ao 15º dia se constitui como um estado hormonal transitório e normativo de instabilidade emocional (ansiedade, irritabilidade, estado hiperalerta, tristeza). No entanto, se chegarmos às seguintes semanas e com os mesmos sintomas podemos falar de um possível quadro de Depressão Pós Parto. Esta não está especificada nos sistemas internacionais de categorização, mas é uma major com especificidades para o pós parto que tem tudo a ver com critério para depressão como o humor depressivo, choro fácil, insónia, a não retirada de prazer de tarefas, falta de energia, baixa auto estima, alterações no sono, apetite, etc. Mas também podemos estar falar de burnout parental, um estado de exaustão física, emocional e mental causado pelo stress intenso das responsabilidades decorrentes de ser pai ou mãe.
E, por isso, é que o contacto com a ajuda profissional é essencial para promover uma parentalidade mais respeitosa, mais positiva e mais promotora do desenvolvimento saudável. Intervém-se duplamente, prevenindo na saúde mental da mãe/pai e na do bebé, com um ponto de vista de um início de vida mais seguro.
A intervenção com a sociedade, o macrosistema, já é um trabalho mais lento na mudança do paradigma. Se por um lado, as redes sociais têm contribuído para a difusão de conhecimento e práticas de uma parentalidade mais positiva e consciente, há algum tempo ainda não era uma questão. Estes lugares às vezes quase de serviço de Saúde Pública são também ponto de desinformação que podem deixar uma mãe e um pai sem saber por onde começar.
Maternidade pode rimar com felicidade. Mas se não rimar, pedir ajuda profissional pode fazer toda a diferença.
Fabienne Guimarães
Psicóloga Júnior